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O Quarto ao Lado: Diante ao inevitável fim. Poesia e Realidade se conectam.

  • Foto do escritor: Daniel Victor
    Daniel Victor
  • 30 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

O Quarto ao Lado (2024) de Pedro Almodóvar


Por Daniel Victor

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Quando eu vejo o selo El Deseo, fico feliz. Pois sei que estou prestes a entrar no mundo do cineasta Pedro Almodóvar. O mais interessante é que nesse ano de 2024, pude assistir no cinema O Menino e a Garça (Vencedor do Oscar de Melhor Animação), de Hayao Miyazaki. Originalmente, o nome do longa do Studio Ghibli se chama “How Do You Live?ou Como nós vivemos. Uma pergunta que o protagonista tem que encarar perante a morte e tragédia que o cerca.


Em O Quarto ao Lado (Vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza 2024), Almodóvar utiliza da morte para nos fazer outras perguntas: Como devemos morrer? Como morrer com dignidade? Como encarar os últimos momentos?


Baseado no livro “What are You Going Through” de Sigrid Nunez. No longa somos apresentados a Ingrid (Julianne Moore), uma escritora que acaba de lançar um best seller sobre como lidar com a morte. E a Martha (Tilda Swinton), uma ex-repórter de guerra. Amigas na juventude, elas se reencontram quando Martha está em fase terminal de câncer. E cansada de tratamentos que não fazem efeito, Martha faz a Ingrid um pedido: “Eu escolhi abraçar a morte, mas não tenho medo dela, apenas não quero encará-la sozinha. Vamos viajar para uma casa. Eu apenas quero que você esteja no “Quarto ao lado”, quando eu me tomar a decisão”.


Em seu primeiro longa em língua inglesa (Não sua primeira obra), logo de cara somos apresentados ao conflito. Os 25 minutos iniciais me soaram até estranho, pois pela primeira vez na vida senti que duas atrizes experientes como Moore e Swinton estavam “atuando” e apenas recitando um texto. Mas quando Martha propõe a ideia ao nome ao longa, finalmente, a película evolui. Não me entendam mal, nos primeiros minutos também vemos o controle perfeito de Almodóvar na direção.


Todas as características de cineasta espanhol estão presentes: cores vivas (tanto nos personagens e cenários), temas relacionados ao sexo, histórias de vidas de outros personagens que afetam diretamente as protagonistas, e óbvio, o melodrama.


É justamente no melodrama que o filme ganha força. Nas mãos de outros cineastas, provavelmente teríamos “aquela cena para nos fazer chorar.” Almodóvar é um mestre que sempre lidou com temas difíceis e sensíveis. Ele sabe que não precisa apelar para causar o efeito que quer no espectador. A história e as atuações fantásticas de Moore e Swinton, vão nos conduzir a sentir e refletir os temas propostos na obra.


A maneira que o cineasta enquadra os personagens, movimenta a câmera e utiliza a edição, são um deleite. Méritos compartilhados com o diretor de fotografia Eduard Grau e da edição de Teresa Front. Logo no primeiro encontro de Ingrid e Martha, em um plano sutil onde as personagens estão próximas uma da outra está “meio torto”, quase que “plano holandês”. O que nos mostra que as personagens são próximas, mas que há um desequilíbrio entre elas. Cada uma enxerga a vida, ou melhor, a morte, de maneira diferente.


Ingrid é uma romancista. Seu lado poético é, teoricamente, mais aflorado para as artes. Já Martha, é mais realista, devido ter coberto como jornalista, diversas vezes a morte. Porém, ao decorrer do longa, ambas ao encarar o fim, suas perspectivas vão ganhando as características da outra. Ingrid tem de ser mais racional e encarar a realidade de frente. Martha por sua vez, mesmo que vá perdendo aos poucos os sentidos devidos aos tratamentos que não fizeram efeitos, é que mais enxerga e demonstra poesia em sua inevitável finitude.


E acompanhamos mais a narrativa na perspectiva de Ingrid, já que de fato é Martha que morrerá. Isso coloca o espectador, assim como Ingrid, como “cúmplice”, na morte da amiga. Apesar de Martha nunca querer prejudicar sua parceira.


Aprendemos mais o passado de Martha, suas dores e questões não resolvidas com o passado. O que potencializa o filme. O que aprendemos de Ingrid é o suficiente, para entender sua dor em ver perder sua amiga querida, mas o motivo de aceitar o pedido de estar no quarto ao lado.


Almodóvar usa diversas referências a outros artistas que fortalecem o longa. Os ambientes têm referência clara e direta ao pintor Edward Hopper, que sempre em seus quadros retratou, como por exemplo, a solidão. Virginia Woolf, e outros tantos outros escritores, são citados, que casa perfeitamente com a melancolia do filme.


Confesso que em dois momentos pensei que o cineasta iria se perder na obra. Entretanto, eu estava errado. Um desses momentos é quando somos apresentados a Michelle, filha de Martha (também vivida por Swinton). É como vermos um duplo, que fecha o arco narrativo de todas as protagonistas.


O Quarto ao Lado, muito provavelmente, não será reconhecido pelos fãs, como uma das melhores obras que Pedro Almodóvar já filmou. Mas é um longa extremamente sensível, sem ser apelativo e com uma direção e atuações, que ao decorrer da história são extremamente bonitas. O vencedor de Festival de Veneza, está em boas mãos.

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Para Amantes de Cinema

Persona Crítica. Propriedade Daniel Victor. Crítica de Cinema

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