Anora: O trágico, o cômico e sonhos despedaçados
- Daniel Victor
- 18 de jan.
- 4 min de leitura
Anora (2024) de Sean Baker
Por: Daniel Victor.

Quando foi anunciado o longa vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2024, a primeira coisa que eu pensei foi: “Finalmente o talento de Sean Baker foi devidamente reconhecido.” O diretor do cinema americano independente que tem em seu currículo obras como o ótimo Tangerina (2015), o excelente Projeto Flórida (2017) e do ótimo, porém esnobado Red Rocket (2021), vai subir de patamar com o prêmio máximo do festival francês. Em Anora, todas as facetas e características dos filmes do cineasta estão aqui, mas com duas mudanças fundamentais, sendo uma dela determinante para o equilíbrio trágico e cômico da película.
No longa, acompanhamos Ani ou Anora (Mikey Madison), uma jovem que ganha sua vida como uma profissional do sexo em uma boate em Nova Yorke. Em um dia corriqueiro do seu trabalho, ela é solicitada por Ivan (Mark Eydelstheyn), um jovem russo, que escolhe justamente Ani por falar sua língua. Entretanto, seu cliente é na verdade um filho de uma grande família da oligarquia Russa. Impulsivo e imprudente, Ivan vai pagando para Anora ser sua namorada, até que ele a propõe em casamento para não ter que sair da América. Tudo parece um conto de fadas para nossa protagonista, até que a família de Ivan sabe do ocorrido e irá lutar para desfazer o matrimônio.
Como dito anteriormente, todas as facetas e características da filmografia de Baker estão presentes em Anora: protagonistas que vem de uma classe marginalizada socialmente, desenvolvimento de personagens profundos, trama mundana e ao mesmo tempo caótica e crítica social ao tal “sonho americano”. Entretanto, duas mudanças, o diretor trás no seu longa, sendo uma delas diferente das demais películas que já produziu.
A primeira é o escopo do longa. Com muito mais investimento e locações dá mais liberdade para o diretor trabalhar várias possibilidades técnicas e narrativas. Já a segunda, é que se nós longas anteriores o “sonho americano”, que se fundiam com os pessoais dos protagonistas, onde eles estavam próximos e ao mesmo tempo longe de alcançar (evidente em Projeto Flórida). Em Anora, vivemos e acompanhamos a protagonista vivendo o sonho. E no efeito de causa e consequência muito bem desenvolvido, vemos tudo virar um pesadelo. Porém, essa escolha de abordagem, tem um equilíbrio que segmentado, aonde vamos do cômico ao trágico, fazendo o espectador imaginar o final da história e perder força dramática crítica.
Dirigido, roteirizado e montado por Baker. Anora tem seus três atos bem definidos: O sonho, o caos/pesadelo e fim do sonho. Analisados individualmente, acho que vemos todo o potencial do diretor. Porém, juntos, mesmo que a causa e consequência sejam perfeitos. Acho que o cômico ao trágico é completamente segmentado, onde a nossa protagonista parece secundária em seu próprio filme, apesar de tudo rodar através dela.
Obviamente temos que falar da excelente atuação de Mikey Madison. Ani é uma mulher com uma personalidade forte, que não irá baixar a cabeça para ninguém. Sempre com uma resposta pronta para quem quer desqualificar ela por sua profissão. Ela embarca na vida de Ivan, mas tem noção que o “sonho de princesa”, é artificial. Quando os capangas do país de Ivan, vem cancelar o casamento, ela se torna uma personagem cômica perfeita, porém que acredita (ou fingi), que pode manter seu matrimônio, até perceber que é impossível e se transforma em uma personagem trágica. Anora é uma protagonista cheia de camadas, que nas mãos de Baker, é muito potencializada. Entretanto, a escolha de viver o sonho que se torna pesadelo, torna ela uma “protagonista reativa”. Pois tudo roda ao seu redor, mas ela somente pode reagir. O que me deixou reflexivo se essa escolha de abordagem, era correta no equilíbrio tragicômico do filme.
Todos os demais personagens são arquétipos, porém de propositalmente caricatos. Todos eles têm suas motivações claras e participam da trama e quando a confrontarem Anora, vão receber uma bela resposta que trás gargalhadas ao espectador. Baker cria um caos tão crível, onde vemos o sonho ir ao pesadelo. Onde além de criticar o “sonho americano”, ele também expõe quão moralmente os personagens são hipócritas com Anora e como o conflito de gerações: os novos impulsivos e mais velhos um pouco mais “prudentes”, fica evidenciado no longa.
O único personagem mais profundo, juntamente a Anora, é o capanga Igor (Yura Borisov). Que apesar de estar lá fazendo seu trabalho, é o único a perceber que Ani não é uma golpista. E por mais que ele tenha o temperamento frio, ele entende, o destino trágico da nossa protagonista. E apesar dos momentos cômicos, ele é o único que não a julga. A última cena do longa envolve a interação entre os dois. E talvez seja o desfecho mais forte da filmografia do cineasta.
Anora é mostra o quão talentoso é Sean Baker. Um puro caos tragicômico de sonho despedaçado. Apesar de o equilíbrio não ser perfeito. As causas e consequência perfeitamente desenvolvidas. E o desfecho, é o melhor, da curta, porém excelente, da filmografia do cineasta. Poderoso e cruel.