Um Completo Desconhecido: : A mística de Bob Dylan que nos faz procurar o desconhecido.
- Daniel Victor
- 21 de fev.
- 4 min de leitura
Um Completo Desconhecido (2024) de James Mangold
Por: Daniel Victor

Não sei a exata fala, mas lembro em uma entrevista que Noel Gallagher dizer algo do tipo: “O público não sabe o que quer até que alguém vá e mostre. Ninguém sabia que precisavam dos The Beatles, até eles aparecerem. Ninguém achava que Rock poderia ser pesado. Até que Black Sabbath apareceu. Ninguém achava que precisava do punk, até que os Ramones e Sex Pistols apareceram.” Essas aspas (que não estão completamente iguais ao que foi dito), não se resume apenas à música. As artes, ciências, homens, mulheres e grupos, ao longo da história mostraram ao mundo invenções e ideias, que muitas vezes não foram compreendidas à época. Retornando a música, um desses grandes nomes sem dúvida é Bob Dylan. Um dos maiores músicos e compositores da língua inglesa (a qual ganhou um Prêmio Nobel), que já foi diversas vezes retratado no cinema. Em Um Completo Desconhecido, temos um recorte de sua trajetória, e que mais me fascina na obra é justamente o que está no seu título: O Desconhecido.
Roteirizado por Jay Cocks e James Mangold (diretor do longa), baseado no livro de Ellijah Wald, o filme narra a história de Bobby/Bob Dylan/Zimmerman (Timothée Chalamet), em dois períodos. O primeiro em 1961, quando apenas com 19 anos, nosso protagonista vai atrás de seu ídolo Woody Guthrie (Scoot McNairy), e sua ascensão meteórica no cenário Folk Americano. Em 1965, já com fama, onde culmina na sua apresentação no Newport Folk Festival, onde o astro causa um caos com o público por utilizar guitarra elétrica.
O longa indicado a oito categorias ao Oscar de 2025, é uma cinebiografia muito bem dirigida, com boas atuações (Bem, terei que criticar Chalamet, por sua atuação), mas com moldes comuns de filmes biográficos. O que chama realmente atenção é a ambientação que a película nos entrega. Somos transportados a cena musical Folk Americana e os acontecimentos que os EUA passaram por esse período.
O roteiro que teve a participação direta de Dylan, apesar de não ser creditado, nos transporta ao EUA na década de 60. A fotografia de Phedon Papamichael, direção de arte de Christopher J. Morris e os figurinos de Arianne Phillips (indicada ao Oscar), nos transporta ao Estados Unidos e à cena musical Folk. As canções cantadas por Dylan e demais outros músicos, não servem apenas para demonstrar o período em que elas fizeram sucesso ou foram criadas. As músicas têm papel narrativo, marcando a história americana. Como exemplo: A morte do Presidente Kennedy e a Crise dos Mísseis de Cuba (1962), que causou desespero na população que é retratada é uma ótima sequência no longa. Entretanto, a edição Andrew Buckland e Scott Morris, apesar de ser ágil, insere as músicas que embora com papel narrativo justificado, em excesso. Não dando respiro ao espectador respiro para apreciarmos o momento que elas foram compostas e cantadas, tirando as vezes o impacto, pois logo outra canção será apresentada.
Mas o grande trunfo do longa é o desconhecido. O longa aproveita a figura e a mística que Bob Dylan carrega. De onde ele veio? Como ele compõe essas letras tão elaboradas? Qual é a fonte de inspiração? O mistério e as perguntas é que fazem o protagonista tão interessante. A atuação de Chalamet, não chega a construir uma persona do biografado. Ela é muito convincente quando ele está compondo, tocando e cantando. Mas traz pouco que realmente acrescente a narrativa. Pelo contrário, acho que o papel do “desconhecido”, acrescenta mais ao a atuação mediana do ator, do que realmente uma entrega a mais do seu personagem.
Já os demais personagens são melhores desenvolvidos. O personagem Pete Seeger (Edward Norton, indicado ao Oscar), e Boyd Holbrook, que interpreta a lenda Johnny Cash, servem como mentores para Dylan. Sylvie Russo (Elle Fanning) e a cantora Joan Beaz (Monica Barbaro, indicada ao Oscar), namoram o protagonista e mostram o lado falho (muitas vezes até demais), do personagem. Que não quer estar preso a convenções, sejam elas relacionamentos ou a música.
O que vai culminar no clímax, que é o Newport Folk Festival. Com apenas três músicas, mas utilizando guitarra elétrica e banda. Bob Dylan causa um caos nos fãs da comunidade Folk. Mal sabiam eles, que ali estava a revolução sendo feita diante dos seus olhos. O que me faz refletir o meu papel como crítico de cinema e da própria crítica cinematográfica. Que muitas vezes alçam filmes novos como clássicos, assim lançados e resgatam outras obras, que não receberam o reconhecimento à época, e revisitadas, podem realmente serem analisadas pelo impacto, relevância e se venceram o teste do tempo.
Um Completo Desconhecido é uma cinebiografia eficiente apesar de não trazer tanto mais a dizer do seu biografado. Com uma excelente ambientação e focando na mística de Bob Dylan. O desconhecido está lá, não importa se vamos desvendar ou não, pois embarcar nesse mundo do protagonista, é o grande mérito do longa.
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