Lispectorante: Quando a Homenagens e referência ao artista e sua obra, reflete ao mais confuso vazio.
- Daniel Victor
- 6 de mai.
- 4 min de leitura
Lispectorante (2024) de Renata PInheiro
Por: Daniel Victor.

Clarice Lispector é uma das escritoras com uma vasta e complexa obra mais rica, inventiva, poética e lírica da Literatura Brasileira. Adaptar suas obras não é uma tarefa fácil. A caso de sucesso como Hora da Estrela (1985), dirigida por Suzana Amaral, que está no hall de grandes adaptações de um livro nacional. E outros de infeliz decepção, como A Paixão Segundo G.H (2023), dirigido por Luiz Fernando Carvalho, que apesar de admirar a tentativa de adaptar uma obra “inadaptável”, é uma verborragia cansativa que só mostra como Lispector é genial e muitas vezes falava o “indizível”.
Em Lispectorante (2024), dirigida pela experiente e premiada diretora Renata PInheiro (Como por exemplo Carro Rei: Grande vencedor de vários prêmios, incluindo Melhor Filme no 49° Festival de Gramado em 2021). A cineasta tenta prestar homenagem a Clarice Lispector é sua obra, pegando traços biográficos, mas principalmente a poética e o lirismo que consagrou a escritora. Entretanto, o resultado é uma grande confusão que nem em aspectos narrativos, experimentais e oníricos, não funciona como um filme tributo e nem se sustenta nas várias tramas que tenta criar.
Glória Hartman (Marcela Cartaxo), uma mulher madura que atravessa uma crise existencial e financeira, volta para sua cidade natal, que passa por um processo de abandono. Através de uma fenda nas ruínas de onde morou a escritora Clarice Lispector, Glória começa a ver cenas fantásticas que vão alterar sua vida.
Apesar de Marcela Cartaxo retornar de certa maneira ao Universo de Clarice Lispector. Já que ele protagonizou Macabéa em Hora da Estrela (1985), um dos grandes papeis da sua brilhante carreira. Sua atuação, certos aspectos técnicos cinematográficos (principalmente fotografia e cenários), e algumas cenas isoladas que a princípio poderiam ter potencial, entregam na verdade uma narrativa que é um completo vazio. Que se somam de forma aleatória e não contribui em nada que o longa queira propor.
Entendo que é tentador para qualquer cineasta utilizar da poética de uma escritora que muitas vezes por sua poética e lirismo, cria palavras, termos, e frases, parágrafos, que marcaram gerações de leitores (e continuam até hoje). E o “indivisível”, presente em suas obras, é um convite tentador para quem quer explorar em uma adaptação todo esse potencial extremamente poético.
A questão é que seja no Surrealismo, onírico ou abstrato. Não quer que o que está sendo representado não tenha sentido ou partiu ou simplesmente é algo vindo do completo aleatório. Obras assim nos convida a buscar e atiçar a compreensão de forma diferente da tradicional. Entretanto, parte sim de algo criado com um sentido, mesmo que essa esteja a convite em não nos dá resposta pronta.
Lispectorante é um longa que crê que em sua homenagem e utilizar o onírico, automaticamente, está fazendo uma obra poética e multiplural. Mas na verdade é um exercício pobre que cria tramas que pouco importam e ao utilizar o surreal, apenas mostra que em momento nenhum tem uma história que funciona em nenhum aspecto, seja no mundo real ou realidades paralelas que remetem de certa forma Lispector.
Glória é uma mulher com um potencial enorme para criar diversas tramas e significados quando ela através de uma fresta da casa que pertenceu um dia a Lispector, como ter sua vida “transformada”. Na verdade, todo esse pretexto de usar a escritora, sua vida e obra somada a novas experiências da protagonista, é um festival que cenas desconexas que não funcionam muitas vezes isoladas e principalmente no filme como todo.
O que vemos é Marcela Cartaxo tentar através do seu talento dar algum sentido para sua personagem. Uma mulher de meia idade que usa como fuga da sua realidade a conexão com Clarice Lispector é a intenção no longa. Mas o que vemos é simplesmente uma personagem vagando de forma aleatória por Recife (Cidade Natal da Escritora), e encontra outros personagens e vive situações de forma ainda mais fortuita. A forma como os encontros aleatórios acontecem chega ser ridículo, Em dois momentos, por exemplo, a protagonista encontra aleatoriamente, um guia turístico, que fala exatamente alguma coisa para a personagem, no momento tão “exato”, que motivar ou explicar algo no longa, que nem o espectador com a maior suspensão de descrença consegue não ignorar o roteiro forçado.
Recife é representada além da cidade natal de Lispector é completamente desperdiçada no seu potencial de locações. A fotografia de Wilssa Esser, usa as cores amarelo e verde, muitas vezes para simbolizar o onírico e o real. Porém, a locação mais chamativa é dentro da casa da escritora, que muitas vezes cai no surreal ou vira uma trincheira (referência a Lispector), que habita os sonhos da protagonista.
Mas não satisfeito, o longa traz uma enorme gama de diálogos completamente soltos como se fosse soar poético. Falas referentes a obra de Clarice ou detalhes pessoais da escritora, como: “Ela trocava “r” pelo “l” (que era uma característica boba devido Lispector ter língua presa e sotaque Ucraniano). Mas as falas tentam parecer poéticas na forma como são ditas, mas não agregam nada poético ao filme. As experimentações com as cenas das trincheiras, uma cena que tem um culto a uma “Supernova”, são momentos que parecem que o longa realmente vai propor algo, mas não entrega nada.
Lispectorante, por exemplo, é um nome inventado pelo par romântico da protagonista, um morador de rua (Pedro Wagner. Peço perdão ao leitor por não lembrar o nome do personagem). Mas também é uma droga na realidade paralela da trincheira. Mas sabe o motivo desse nome? Porque Clarice Lispector inventava nomes e conceitos, a o longa achou genial fazer o mesmo, pois assim achava que também seria poético, porém é vazio e sem sentido. Um acontecimento que envolve o casal, além de reforçar um estereótipo que longa havia quebrado, torna o final um grande anticlímax.
Todas as tramas criadas não tem peso nenhum da história e todas as cenas experimentais, são apenas um abstrato que tenta fazer sentido, porque acha suficiente mencionar Lispector, automaticamente sua poética vem junto para o filme.
Lispectorante é uma grande confusão com a pretensão de ser poético como quem está homenageando; Como crítico, não sinto prazer em “detonar” um filme. Mas infelizmente para mim, esse longa é uma decepção.
A minha amada Rai. “Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.” Clarice Lispector. 🐸❤
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