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Coringa: Delírio a Dois – Uma piada que passa vergonha à medida que é contada

  • Foto do escritor: Daniel Victor
    Daniel Victor
  • 7 de out. de 2024
  • 5 min de leitura

Coringa: Delírio a Dois. Todd Phillips (2024)

 

Por: Daniel Victor

 

Quando eu assisti O Coringa (2019), fiquei surpreso! Apesar das influências e misturas de Taxi Driver e O Rei da Comédia (dois longas de Martin Scorsese). O longa era um estudo de personagem bem desenvolvido, com características próprias que humanizava (apesar de “não passar pano”), para o vilão mais famoso da DC. O filme foi um sucesso! Venceu o Festival de Veneza, concorreu ao Oscar, consagrando a atuação de Joaquin Phoenix, como melhor ator. Uma sequência era mais do que óbvia (levando em conta como funciona a indústria de hoje). E nada poderia dar errado, certo?


Pois bem, Coringa: Delírio a Dois (2024), infelizmente, é uma grande decepção! Tudo que Todd Phillips criou no primeiro filme, aqui vai se destruindo. Sim, ainda é uma sequência direta do longa de 2019. Mas, parece que o diretor queria fazer algo tão surpreendente, porém não soube lidar com seu próprio legado. A película é como uma piada vergonhosa, que cada vez mais vai sendo construída e contada, o constrangimento só aumenta.


O longa se passa alguns anos depois dos acontecimentos do primeiro filme. Acompanhamos Arthur/Coringa (Phoenix), em uma prisão/hospício, enquanto espera seu julgamento do que ele fez na película anterior. Na cadeia, ele encontra uma parceira, Lee Quinzel/Harley Quinn ou Arlequina (Lady Gaga), uma paciente que admira demais o Coringa. E a partir daí, um relacionamento nasce quase de forma platônica. Junto a isso, alguns moradores de Gotham esperam que o Coringa seja condenado e outros o veem como Martín.


Aqui Todd Phillips e os roteiristas Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson (os mesmos do primeiro filme), com acréscimo de mais dois novos Paul Dini e Bruce Timm (criadores da Harley Quinn), dividem o longa em três vertentes: 1. A sequência e consequências da primeira película. 2. O romance entre Coringa e Arlequina. 3. O julgamento de Coringa, onde a defesa de sua acusação vai usar o recurso para que Arthur e Coringa, sejam personalidades diferentes que vivem no mesmo corpo e assim, ele seja considerado louco e não um psicopata responsável pelos seus atos. Porém, a cada nova informação e cena apresentada, o longa vai se destruindo.


Para ser justo, o primeiro ato é interessante. Phillips tem claras influências de Scorsese na forma de filmar: planos longos e planos sequência que se seguem os personagens, girando ao redor deles e mostrando o ambiente. Mas obviamente, ele acrescenta novas referências. A prisão/hospício, faz claras alusões a dois clássicos do cinema, uma mistura de Um Estranho no Ninho e Um Sonho de Liberdade.


A parte musical (sim, o longa não é exatamente um, mas tem sim números do gênero). É interessante no começo (pois depois vira uma bagunça aleatória). O mundo de Arthur tem cores dessaturadas. Somente nos momentos de felicidades e quando começa as músicas, eles ganham cores e a luz se intensifica. Mérito do diretor de fotografia Lawrence Sher (o mesmo do primeiro filme).


As atuações são boas/aceitáveis. Novos personagens são introduzidos e velhos do primeiro longa retornam. Apesar de alguns terem certa influência na trama, certos chegam a ser caricatos e outros apenas um capricho do filme. O foco está mesmo em Phoenix e Gaga. O ator consegue repetir o feito que o consagrou ao Oscar, mas aqui ainda de forma mais exagerada. Já a atriz tem uma atuação medíocre (real significado para mediano). Apesar do diretor criar camadas para a personagem e romance fazer sentido (apesar de ser muito rápido), a cada nova cena e informação que é dada ao público, a atuação de Gaga não é potencializada e vai perdendo sentido ao invés de se fortalecer. Uma pena, pois a atriz tem muito potencial, que poderia ser uma performance maior do que a sua em Nasce uma Estrela.


Ainda falando de atuação e romance, note como o diretor usa o cigarro como um signo de transformação. Quando Arthur e Lee fumam, eles deixam transparecer o Coringa e a Arlequina. Já o relacionamento amoroso funciona no primeiro momento, mas assim como todo o filme, a cada nova cena e informação dada, o casal vai perdendo química. A única coisa interessante é a inversão que Phillips faz dos quadrinhos para o longa. Se nas HQs, o Coringa é que comanda Arlequina (em um relacionamento abusivo, por sinal), aqui temos o contrário. Já que Lee é que motiva Arthur a pelo menos lutar por sua vida e dar sentido a ela.


Porém, a partir do segundo ato, quando começa o julgamento, o filme vai se destruindo. A parte que vemos uma Gotham realmente modificada pelo mártir que é o Coringa, é muito pobre se resumindo apenas a multidão que fica de fora nos tribunais e os parceiros da cadeia que torcem por Arthur.


O julgamento marca a “ladeira abaixo” que vai o longa. Chega ser inacreditável certas decisões tomadas aqui, por mais que imageticamente e narrativamente possam ser interessantes. Você não precisa ser formado em direito e nem em psicologia, para entender que muita coisa não faz sentido. O filme implora por uma suspensão de descrença do público para algumas ideias que vão sendo apresentadas e que só vai estragando cena após cena a sequência, como tudo construído na película anterior.


Chega a ser constrangedor como o filme é uma desconstrução do primeiro longa. Cada ideia é pior que a outra. As novas informações vão enfraquecendo a trama. O diretor parece que queria fazer um filme tão disruptivo e inovador e esquece das características do que fez a primeira película ser um sucesso.


A parte da defesa de acusação que tenta construir que Coringa é uma persona de Arthur que se manifesta pelos traumas que ele teve em seu passado, aqui são mais bem desenvolvidos em flashbacks, onde faz sentido. Entretanto, o longa reforça que eles realmente são a mesma pessoa. E com todas as informações dadas eu fiquei me perguntando: “Não dá para ver que ele realmente não é um psicopata e sim uma pessoa com sérios problemas mentais? Será que esse julgamento precisa mesmo ocorrer?” Obviamente, eu não sou formado em direito e nem psicologia, mas é muito difícil você não se fazer essas perguntas. Inclusive, questionar as ideias “geniais” que o diretor traz como se realmente fosse aprofundar o universo que ele criou.


A edição também é um problema. Jeff Groth (o mesmo montador do primeiro filme), nas partes que se referem ao musical é problemática. Em certos momentos, as músicas são introduzidas em uma cena a outra de forma aleatória. O longa é como um delírio (assim como no título), mas não tem lógica e não funciona de forma surrealista. É apenas uma bagunça, que serve mais como um capricho para transformar a película mais complexa, conseguindo o resultado contrário.


Mas nada se compara ao terceiro ato e ao final do filme. Por mais que faça certo “sentido”, a sensação de Deus Ex Machina (uma solução que surge do nada), fica na nossa cabeça o tempo todo. O romance, consequências, figura mítica e a questão mental, se destrói por completo. O fechamento do longa é tão anticlimático, que eu aposto que anos depois quando essa película for revisitada, vão achar que o diretor realmente foi brilhante.


Coringa: Delírio a Dois é uma sequência problemática que prejudica a experiência que tivemos com o antecessor. A piada é contada, ninguém ri e apenas sentimos pena do comediante (Assim como sentimos de Arthur).

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Para Amantes de Cinema

Persona Crítica. Propriedade Daniel Victor. Crítica de Cinema

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