Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças: Qual o preço de apagar nossas memórias?
- Daniel Victor
- 23 de dez. de 2024
- 7 min de leitura
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004) de Michel Gondry
Por: Daniel Victor.
COM SPOILERS!

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças é um dos meus filmes prediletos da vida! Nesse ano de 2024, ele completará 20 anos. Eu relutei muito em escrever essa crítica, pois esse filme é para mim perfeito em diversos aspectos e me emociona todas as vezes que vejo algo relacionado a ele. Então, irei escrever uma crítica com spoilers, e vou tentar explicar um pouco (não tudo, pois é impossível), os motivos desse longa são tão importantes para esse cinéfilo.
Em uma criação conjunta de Pierre Bismuth, Michel Gondry (Diretor) e Charlie Kaufman (Roteirista). O longa foi lançado em 2004 e foi bem recebido por público e crítica. O que rendeu a Kaufman o prêmio de Melhor Roteiro Original no Oscar 2005, porém, sendo esnobado em demais categorias, por exemplo Melhor Filme. Entretanto, o filme passou nos anos seguintes ganhando mais reconhecimento, sendo hoje um clássico cult entre os amantes do cinema e atualmente é reconhecido como uma das melhores películas lançadas no século XXI.
Charlie Kaufman já era reconhecido pela indústria como um grande roteirista que trabalhava com narrativas não lineares e com a mente humana. O que podemos ver por exemplo em longas como: Quero ser John Malkovich, Adaptação (a qual foi somente roteirista para direção de Spike Jonze), Anomalisa (codirigido com Duke Johnson), Sinédoque, Nova York, Estou Pensando em Acabar com Tudo (dirigido e roteirizado por Kaufman), mostra o quão incrível e criativo ele é. Mas me atrevo a dizer que sua parceria com Michel Gondry, é sem dúvidas para ambos, sua obra prima.
No longa conhecemos Joel Barish (Jim Carrey), um homem tímido e introspectivo. No dia nos namorados, ele decide não ir ao trabalho e ir pegar um trem para Montauk. No local, ele acaba conhecendo casualmente Clementine Kruczynski (Kate Winslet), uma mulher muito extrovertida. E apesar das diferenças entre os dois, eles decidem passar a noite do dia dos namorados juntos, fazendo companhia um para o outro. E na manhã seguinte, quando Joel deixa Clementine em casa, pois ambos estão criando um vínculo afetivo, um homem bate na janela no carro de Barish e pergunta: “O que você está fazendo aqui?”
O parágrafo anterior se passa nos primeiros 20 minutos do filme. Voltamos um pouco no tempo. Joel sofre pelo término do seu namoro de 2 anos com Clementine. Porém, ele descobre que ela resolveu fazer uma operação: Apagar completamente Joel e tudo que lembra dele em sua memória. Revoltado, ele vai para a mesma clínica que se chama Lacuna (um nome perfeito), para fazer o mesmo procedimento: apagar Clementine. E começamos acompanhar de trás para frente, os dois anos de relacionamento entre os dois. O começo parece maravilhoso, até que Joel se dá conta que certas memórias felizes que viveu com Clementine, ele gostaria de manter. Então, desesperadamente, ele tenta escapar dentro de sua própria mente, tentando salvar o que de bom o relacionamento entre eles dois viveram.
O mais interessante do longa é essa mistura palpável de um filme de romance e ficção científica, que não se passa em um futuro distante. Lacuna é apresentado sem parecer forçado para o público, como uma cínica que apaga o que você deseja na memória. Mas nessa escolha de apagar a memória é que mora a grande questão filosófica do longa: Você apagaria suas memórias que lhe fazem mal? É claro que sim! Mas a questão é que para isso, todas as memórias boas seriam apagadas. Já escutei pessoas sem pestanejar dizer: “Para esquecer aquele relacionamento que me machucou? É claro que eu faria!” Mas ironicamente, várias delas têm receio do que o passado no nosso país e no resto do mundo seja apagado, para líderes usarem o povo como massa de manobra para seus fins. Não devemos esquecer da história do nosso país e nem da história humana. Pois a memória pessoal ou coletiva, é que nos faz possível alguma esperança de progresso.
Gondry e Kaufman sabem muito bem disso. Juntos eles vão utilizar todos os elementos da linguagem cinematográfica para criar uma experiência imersiva dentro da mente humana e se modulando entre uma narrativa clássica e moderna do cinema (Essa seria minha defesa de tese de TCC do meu curso de Cinema e Audiovisual, a qual eu sou formado), pois passamos o filme na cabeça de Joel, de trás para frente, vendo suas memórias sendo apagadas. E, vivemos o presente da operação que está acontecendo com Barish e vemos vários pontos de vistas da história. E descobrimos que mais questões filosóficas, éticas e morais são quebradas ou questionadas.
A atuação de Jim Carrey como alguém tímido e introspectivo (característica recorrente nos personagens de Kaufman), é muito boa por termos na memória um ator cômico exagerado. Kate Winslet, é uma mulher espontânea e extrovertida e contraponto ideal para seus personagens. Joel e Clementine são os opostos que se complementam, porém, mora um grande perigo na relação dos dois que os autores já preveem, para desconstrução do conceito.
Manic Pixie Dream Girl é um tipo de tropo machista que roteiristas, escritores e autores de diversas mídias, utilizam para criar personagens femininas em suas obras. São garotas ou mulheres excêntricas, mas que se apaixonam pelo personagem masculino da obra, para que eles possam ter a “garota dos sonhos”, enquanto para sua evolução e arco dramático na obra. Ramona Flowers em Scott Pilgrim, Summer em 500 Dias com Ela e várias outras personagens femininas servem como garota cobiçada pelo garoto para que ele evolua no final. Não que essas obras sejam ruins, mas somente, é mostra a forma como diversos autores utilizam as personagens femininas apenas como “muleta” para os masculinos.
Clementine nasceu desse conceito, mas é justamente para que seja um ponto de desconstrução. “Eu não sou conceito Joel. Eu sou apenas uma garota fodida em busca de paz de espírito”. Clementine jamais é uma muleta. Ela toma a decisão de apagar Joel. Ainda mora no seu inconsciente, o “Brilho Eterno”, que por mais tenha apagado a memória, não esquece do vínculo com Joel. E na mente de Barish, ela é uma personagem ativa, pois além de atuar como as boas memórias que querem ser salvas por ele, a sua existência está em jogo, pois quem está sendo apagada é ela.
Gondry vai utilizar todos os elementos da linguagem do cinema para potencializar e ser criativo em sua história. Começando pelas cores. As cores de cabelo de Clementine, vai situar o espectador em qual momento o casal está em seu relacionamento e será o filtro principal utilizado nas sequências. “Revolução Verde” (o primeiro encontro dois), “Perigo Vermelho” (quando ela está disposta a lutar pelo relacionamento e Joel, não dialoga), “Agente Laranja” (quando o relacionamento está perto do fim, até a última briga), “Ruína Azul” (Clementine apagou Joel de sua memória, mas sofre sem saber o motivo, pois “Brilho Eterno”, continua lá). E mais interessante é que a personagem nos diz isso na primeira conversa com Joel. Os autores são conscientes de que mostrar ao público tudo que irá acontecer, sem estragar a história.
A edição e montagem de Valdis Oskarsdottir, que além de contar uma narrativa embaralhada, ora linear e não linear, juntamente com efeitos especiais de Thomas L. Viviano, é a soma perfeita de como ir destruindo as memórias, e apagando pessoas e espaços na mente de Joel. A fotografia de Ellen Kuras, além de utilizar cores, brinca com perspectivas de forma brilhante. A edição e mixagem de som (uma equipe imensa), consegue desenvolver perfeitamente o som quando a memória é apagada, além de brincar com a diegese do longa através de Joel. Pois sons que Barish não deveria escutar (não diegéticos), passam a ser escutados pelo personagem (diegético), pois ele está ouvindo os demais personagens, enquanto está no procedimento de apagar sua memória. A trilha sonora de Jon Brion, é perfeita em trazer um tom melancólico, mas sem ser muito triste.
Além das excelentes atuações de Jim Carrey e Kate Winslet, que são a base de todo filme. Outros personagens têm um peso enorme na trama. Stan (Mark Ruffalo) e Patrick (Elijah Wood), são completamente antiéticos e imorais, pois o primeiro sabe do relacionamento do Dr. Mierzwiak (Tom Wilkison) e Mary (Kirsten Dunst), e o segundo usa as memórias de Joel para namorar Clementine. E o relacionamento entre o doutor e sua funcionária, só mostra que apesar de apagarmos a memória, o “Brilho Eterno”, continua lá e que tudo pode ser repetido. O que vai levar Mary a entrar na Lacuna e revelar todas a todos que decidiram apagar suas memórias, que não cometam esse erro. Mas antes é a personagem que cita o trecho de Alexander Pope que leva o título do filme. “Quão feliz é o destino de um inocente sem culpa. O mundo em esquecimento pelo mundo esquecido. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Cada orador aceito e cada desejo renunciado”.
Essa atitude potencializa o final do filme. Joel e Clementine têm seu vivem seu término na primeira lembrança do casal. E quando eles sabem que ambos decidiram apagar um a outro das suas memórias e escutam as fitas que só contam os defeitos de ambos. Eles decidem mesmo assim começar novamente o relacionamento, mesmo sabendo que tudo pode dar errado de novo. Uma decisão poética e extremamente poderosa que desafia o espectador a se perguntar se faria o mesmo.
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças é um filme genial. Eu simplesmente acho perfeito. E com certeza, não consegui nessa crítica expor tudo o que sinto e sei sobre o longa. Obviamente, eu sei que a película não figura entre os melhores filmes da história do cinema. Mas para mim, está entre os meus preferidos da vida.
Gostaria de dedicar essa crítica a Henrique Codato. Ele seria meu orientador de TCC e o artigo ou monografia seria sobre Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, mas por motivos pessoais não consegui realizar. Agradeço as todas a pessoas que me apoiam na minha trajetória no Cinema e como Crítico (Não, isso não é uma despedida). Mestre Henrique, muito obrigado por todos os ensinamentos e por confiar em mim. Essa crítica singela não é um TCC, mas mostra que você sempre será um Brilho Eterno, para as pessoas que o conheceram. Muito obrigado.
Ps: Peço desculpas ao leitor por repetir diversas vezes o mesmo nome nos parágrafos e pelos possíveis erros textuais.
Comments