Ainda Estou Aqui: Diante ao terrível terror, as aparências caem e resistência surge
- Daniel Victor
- 9 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Ainda Estou Aqui (2024) de Walter Salles
Por: Daniel Victor

“Toda obra de arte é fruto do seu tempo”. Eu realmente não sei qual foi o primeiro crítico ou pensador a proferir essa frase, que por mais que parta de caráter “óbvio”, muitas vezes não é completamente compreendida. Independente do formato artístico: quadro, livro, filme etc. queiram retratar o passado ou o futuro. O autor sempre acaba nos elucidando sobre o seu presente.
Partindo desse pressuposto, é igualmente óbvio que Ainda Estou Aqui (representante escolhido para a disputa do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Internacional), não seja o primeiro e nem o último a retratar a Ditadura Militar no nosso país. Porém, tem uma importância especial e necessária. Pois olhando para o ontem, surge um alerta para o hoje! Onde em todo mundo, a Extrema-direita cada vez ganhando mais poder e atacando justamente a cultura e o passado.
O novo longa de Walter Salles trata-se de uma cinebiografia adaptada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. A história narra a trajetória de Eunice Paiva (Fernanda Torres/Fernanda Montenegro), e sua família. Quando seu marido, Ruben Paiva (Selton Mello), é capturado e desaparecido pelo regime. Eunice tem que enfrentar todo o estado ditatorial em busca de respostas, enquanto tem que cuidar dos seus 5 filhos. O que a leva a lutar por justiça, se tornando uma grande jurista e ativista pelos direitos humanos.
Talvez esse seja de longe o melhor filme de Salles desde Central do Brasil (1998), que por sinal rendeu uma indicação ao Brasil no Oscar Melhor Filme Estrangeiro (hoje Melhor Internacional), e uma indicação a Fernanda Montenegro ao Oscar de Melhor Atriz. Eu realmente não me surpreenderia que nosso país concorresse novamente a premiação da Academia Americana (tanto em Filme Internacional e Melhor Atriz), mas agora por Fernanda Torres (filha de Montenegro).
A ambientação e estrutura que a história é narrada é precisa. Partindo do microcosmo dos Paivas, uma família de classe média do Rio de Janeiro, em 1970. Que apesar de viverem sobre o regime militar, vivem uma vida aparentemente feliz. Mas é justamente a aparência que é a grande força da primeira parte do filme (o longa tem 3 partes, sendo a primeira a maior), que vai se desfalecer e terá que ser mantida, sendo a semente da resistência e mudança principalmente da protagonista.
Mas nenhuma aparência permanece intacta diante do terror. A relação quase perfeita entre marido e mulher e seus 5 filhos é destruída quando o p1atriarca e é “convidado a depor”, pelos agentes do regime. A fotografia Warren Ellen começa com um filtro saturado e após a prisão do Ruben, a casa família, fica quase no completo escuro, sendo iluminada com pequenos únicos pontos de luz, o que reforça a atmosfera de terror.
Todas as atuações são incríveis, mas Eunice, que é que vai nos conduzir a narrativa, é digna de aplausos. Tudo está no não dito, como uma mordaça invisível, ninguém pode falar nada. É através do olhar e do sorriso que vemos como uma mulher tem o peso do mundo das costas, vai lutando em busca de respostas e mente e omite certas coisas a própria família o terror que vive.
Obviamente, é claro que Salles sabe que o recorte e o microcosmo que tomou não abrange todo o povo brasileiro e horrores da ditadura. Mas ao focar no drama intimista e psicológico, o diretor nos passa o clima que assolava nosso país. E a escolha de Eunice como a protagonista que conduz a história, mostra que mesmo diante ao terror, a resistência sempre continua.
Voltando às atuações que estão todas ótimas, destacarei outras quatro: Selton Mello que vive Rubens Paiva, que ilumina de felicidade e otimismo, apesar do risco e terror que vive. Seu luto será sentido por toda a obra. Eliana (Luiza Kozovshi/Marjore Estiano), a filha que sabe tudo que tudo que está acontecendo e tem aos mãos atadas. Vera ou Veroca (Valentina Herszage), a filha que está no exterior e sabe por jornais o que acontece com os pais e o país, mas do que estão no Brasil (note como seu casaco roxo, que signo no cinema que representa a morte, é utilizado de maneira precisa) e Marcelo Rubens Paiva (Guilherme Silveira/Antonio Saboia), o filho mais novo do casal e o mais inocente, que no futuro irá se acidentar e escrever o livro Feliz Ano Velho e Ainda Estou Aqui.
O roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega (que foram premiados com Melhor Roteiro no Festival de Veneza), é preciso, pois estruturaram o longa em 3 partes: A primeira onde passamos a maior parte. A segunda, que se passa em 1996, onde Eunice que vira jurista e ativista, recebe uma grande vitória. E a terceira o desfecho.
Porém. É justamente no desfecho que o longa comete seu deslize. Estamos em 2015, e Eunice é vivida por Fernanda Montenegro. Sua pequena participação é poderosa, mas justamente na cena chave que Salles escolhe para mostrar o poder da memória, é que caímos no melodrama, que destoa do tom intimista do filme, apesar da forte carga emocional e psicológica.
O nome do livro e filme ser “Ainda Estou Aqui”, para mim é perfeito por ter tantos significados: “Ainda Estou Aqui”, para lembra a memória de Rubens Paiva; “Ainda Estou Aqui”, para lembra a trajetória Eunice e sua família; “Ainda Estou Aqui”; para todas o povo brasileiro que viveu na pele todo horror da ditadura. E Ainda Estamos Aqui, sendo impactos por mais um filme poderoso, enquanto a Extrema-direita cada vez ganhando mais poder e atacando justamente a cultura e o passado. Seguiremos como resistência.
Ainda Estou Aqui é poderoso e necessário. Nossa memória não pode ser e jamais será esquecida. A luta e resistência ainda está aqui. Independente se ganhar o Oscar ou não, assim como em Central do Brasil, tenho certeza de que já vencemos.
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